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  • Foto do escritorTalita Gantus

Autoajuda

Atualizado: 31 de mai. de 2020

Esperando na fila do dentista, pego um dos livros q estavam em cima da mesa. Olho pro lado: três pessoas esperam comigo. Todas as três em seus respectivos smartphones. Na contramão da modernidade, encaro o livro em minhas mãos. A capa diz “você é mais forte do que pensa!” Sentada, com o livro na mão, o café morno de recepção na outra, dou um gole que não me desce. Não me desce como o título desse livro de autoajuda. Autoajuda de merda. Autoajuda mentirosa. Autoajuda fajuta. Quanto será que custa? 19 reais, diz a etiqueta atrás. Com 19 reais eu compro mais uma ilusão. Mais uma recuperação. Que não recupera nada porque o tratamento é tão raso quanto o título desse livro. Que pensa que é quem pra me dizer que eu tenho que ser forte? Por que eu tenho q ser forte o tempo todo? Por que eu tenho que ser forte e perfeita? Que sujeito moderno é esse que busca sempre essa perfeição? Não sou forte nada! Sou perfeita nada! Aposto que o cara que escreveu esse livro não acredita nessa receita de autoajuda. Esse cara nem perfeito é! Autoajuda fajuta que acha que com 19 reais vai devolver minha sanidade mental. Aposto que esse cara não acredita na própria autoajuda e não compra essa receita fajuta de auto sabotagem. É ilusão porque as páginas são de hipocrisia. Hipocrisia porque pra esse cara que vive às custas da exploração sentimental alheia (...) pra esse cara que deita em seu colhão d'água com seus travesseiros de pena de pluma de sei lá o quê (...) pra esse cara que vive do lucro de seus livros comprados aos montes e parcelados com muitos juros (...) pra esse cara que acorda com uma mesa posta de café da manhã farto - com um café que desce melhor que esse da recepção, que só não desce pior que esse título que insiste em me encarar e que não me passa nem na garganta; pra esse cara o livro não diz “você é mais forte do que pensa!” Não diz pra nenhum deles porque eles já são fortes o suficiente. Já são fortes porque já nos dominam de muitas formas. Inclusive com essa autoajuda barata de 19 reais. Que até encontramos nas redes sociais, comprimida em poucos caracteres, de graça. Por isso 19 reais é caro. Caro por ser fajuta. Mas a busca pela aceitação custa mais caro ainda. Custa a frustração de não sermos o sujeito com aquele padrão impossível de ser copiado, mas ditado pela mesma sociedade moderna que se acha perfeita - perfeita de merda - e que não entende que eu não preciso ser forte o tempo todo. Que não entende que ninguém é perfeito. Mas que vende ilusão fajuta em livro de autoajuda parcelada com muitos juros. 19 reais tá até barato. Porque a hipocrisia, a fortaleza e a perfeição tem custado bem mais caro. Mais caro que a frustração. Tem custado as nossas vidas. Vou tomar mais um gole desse café pra ver se empurra essa autoajuda goela abaixo.


Foto: Bruno Fernandes

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